Tijolos de adobe


Na onda do faça-você-mesmo, minha casa na ecovila terá algumas paredes de adobe, um tipo de tijolo de terra crua, que é excelente isolante térmico e acústico. Essas qualidades são importantes em Piracaia, especialmente por conta da grande amplitude térmica da região, com temperaturas altas no verão (que, mesmo assim, tem noites frias) e muito baixas no inverno. Numa metáfora didática (que o amigo Hiroshi, idealizador da ecovila, costuma usar em conversas com os visitantes), o adobe é como uma camisa de algodão, que deixa o corpo transpirar. Já a parede de tijolo queimado e cimento é como um tecido de náilon, que dificulta bastante a troca de calor entre o corpo e o meio ambiente. Vem daí a ideia de que as paredes de terra “respiram”. 

Como isso funciona? Bom, no verão, o tijolo de terra crua reduz a velocidade de entrada do calor na casa, que leva horas para penetrar a parede do tijolo (os nossos, por exemplo, têm cerca de 20 cm de largura). Assim, somente quando a tarde cai e a noite chega com temperaturas mais amenas é que o calor entra, de fato, na casa. Seguindo a mesma lógica, se demora para entrar, demora também para sair, o que torna essa característica perfeita para as noites de frio intenso: quando a lua desponta no céu, o calor armazenado na casa irá manter a casa mais quentinha até o dia amanhecer.

Além disso, o tijolo de adobe consome muito menos energia para ser produzido, já que não vai ao forno. E isso significa também que ele emite menos CO2 para a atmosfera. Outra vantagem: pode ser produzido localmente, com a terra do próprio terreno. Na minha casa, pensando em termos de sustentabilidade, tivemos que botar na balança dois fatores: o desejo de não mexer na topografia do terreno e a vontade de construir com terra. Bom, sem cortar o terreno seria difícil usar a terra local. Em contrapartida, para construir com terra, o ideal seria não trazê-la de longe, por conta do transporte que aumentaria a pegada ecológica da construção – e da extração, nem sempre feita com baixo impacto ambiental. 

A solução foi ficar no meio termo. Nem tanto ao céu, nem tanto à terra. Fizemos um pequeno corte (manual) no terreno e aproveitamos a terra para a construção. Desse modo, a fundação da casa ficou menos complicada e também um pouco menos cara, e ainda pudemos usar a terra disponível no terreno. É verdade que, no meio do caminho, a demanda por terra superou o corte feito no solo. A saída foi aproveitar a terra de alguns vizinhos que fizeram terraplanagem e, em último caso, comprar na loja de materiais de construção.

No mês de julho, férias na universidade, meu marido-companheiro conseguiu tempo para passar vários dias na ecovila fazendo tijolos de adobe – enquanto eu estava em São Paulo, trabalhando mais do que deveria... Um a um, ele enformou, desenformou e botou para secar na sombra 250 unidades. A cura demora cerca de 20 dias, dependendo do clima.

No último fim de semana, transportamos os tijolos da “fabriquinha comunitária” da ecovila até a nossa casa, usando a caçamba do carro. Depois, fizemos uma argamassa de terra e areia e começamos a subir uma parede do nosso futuro quarto. Tijolo por tijolo, juntos, começamos a trabalhar na construção do nosso abrigo. Uma sensação pra lá de gostosa, de poder construir o próprio ninho - e sem sequer precisar de luvas para se proteger de produtos tóxicos ou agressivos. A terra, costumo brincar, é um ótimo peeling para as mãos...

Para quem gosta de construções mais rústicas, o adobe não precisa receber reboco. Pode ficar aparente, apenas com uma proteção hidrorrepelente nas áreas úmidas e externas. Na minha casa, usamos uma mistura de areia, cal e baba de cacto palma na fachada. Receita natural e eficiente, que não impermeabiliza a superfície – pois isso implicaria perder a qualidade de troca de calor com o ambiente externo. Essa gororoba apenas impede a penetração da água. Se a vontade for deixar a parede lisinha, com cara de construção convencional, sem problemas. Também dá. É só fazer o acabamento com terra, areia e pigmento (opcional).

Por tudo isso, o adobe é, sem dúvida, uma tecnologia que merece mais espaço no Brasil, especialmente em locais mais remotos e carentes de infraestrutura. Conheci, ainda que de longe, um projeto muito bacana de construção de casas populares de adobe na Bahia. Em regiões quentes, ele torna a casa mais agradável termicamente, reduz consideravelmente o custo da obra e ainda leva o conforto ambiental e a autoestima das famílias, que aprendem o valor da autonomia. Grupos de moradores são capacitados na técnica e se revezam na construção das moradias das famílias da comunidade. Um jeito inteligente, solidário e ecológico de construir, que só traz vantagens para todos.

Fonte: http://planetasustentavel.abril.com.br/blog/gaiatos/tijolos-adobe-189362_post.shtml

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